terça-feira, 6 de julho de 2010

A TEORIA da alta costura prática

Alta costura é muito fácil de se amar.

Para qualquer dedicada seguidora da moda - não necessariamente consumidora da roupa de ateliê -, a alta costura é a realização do momento Cinderela. Não pelo vestidão, mas pela fada madrinha (estilista) e pelos hábeis ratinhos (costureiras) que constróem uma roupa feita sob medida para o seu corpo/proporções. E, com sorte, para o seu tom de pele, modos, postura, blá, blá. Para você.

É o objetivo da roupa em si: uma embalagem uau que promete um conteúdo idem. A razão de ser da moda e do ofício do estilista. O resto é pastiche.

Insistir que a alta costura obsoleta é matar o modelista, as costureiras, os bordadores, os alfaiates e toda a cadeia artística necessária que faz da moda não apenas uma imagem (ou você pensa que é uma bonequinha de papel vestindo roupas de papel?), mas uma peça tridimensional com uma função muito superior a chatice eterna da busca pelo status- da grana, da novidade.

Por aqui, estilistas que amam o ofício da costura (André Lima, Ronaldo Fraga - que fez um desfile-ode às costureiras) lidam todo dia com a falta de gente para transformar suas ideias em roupas viáveis e vestíveis. Marcos Ferreira, que é capaz de apontar a diferença entre alfaiataria da escola alemã e da escola inglesa (eita!), diz que está cada vez mais difícil encontrar bons alfaiates. Sem gente que saiba deixar um ombro impecável (Chanel era inimitável, como Lagerfeld lembrou no curta para a coleção Paris-Shanghai e José Gayegos, modelista-mór entre nós, confirma), não há Saville Row nem elogios à alfaiataria de Stella McCartney.

PARIS-SHANGHAI : A FANTASY
THE TRIP THAT COCO CHANEL ONLY MADE IN HER DREAMS.
Karl Lagerfeld, dez2009



A questão é como mantê-la relevante - não apenas só uma espécie de post it de como a moda funciona na base, antes de ser mercado de massa - e muito além do baile?

Uma geração de novos costureiros está atrás da resposta. E Alexis Mabille, que eu entrevistei para a Vogue justo numa história justamente sobre a haute, no desfile de ontem (5jul) em Paris, chegou muito perto (senão à) da resposta.

Inspirado talvez pelos tempos de cintos apertados (não que crédito seja um problema dessa clientela - uma peça dele custa, média, 8 mil dólares), Mabille fez um desfile de separates - a calça, a blusa, a saia, o casaco - que, styled de diferentes jeitos, multiplicam o look.

Quão banal, cotidiana, pode ser essa ideia?

Não satisfeito, Mabille desobedeceu as regras do jogo e desfilou a mesma peça mais de uma vez, num "assim ou assado" que pode ser ainda mais multiplicado em casa.




















A nova moral da história são peças-investimento. Sai o "use apenas uma vez no baile do Crillon", entra o "use muitas vezes". Não importa se você não tem 8 mil dólares.

Para quem deseja uma vida de alta costura (dá para esquecer os editoriais da Vogue América com a modelo fazendo compras no mercadinho metida num longo Lacroix ou enchendo o tanque de gasolina num monumental Dior?), essa é a alta costura da vida real. Um lembrete da função original da roupa - e da importância de ser bem feita. Ou como diz aqui Inés de la Fressange: uma casa de tijolos no lugar de uma cabana pré-fabricada.

Onde você prefere morar?

5 comentários:

fernanda disse...

obrigada por compartilhar tanta inteligência com que lê. acho um milagre conseguir organizar idéias assim, tão espertamente, tão elegantemente, tão com sacadas e referências - e não parecer arrogante. você é a pessoa mais sabida em moda que eu conheço, simone, junto com o vitor. te adoro por isso, beijos fê,

Analía Kovacs disse...

ADOREI O POST. Realmente hoje em dia temos que valorizar as peças "multiuso". Não é todo mundo que pode ter um modelito pra cada dia do ano, né?
Aliás, a Julia Restoin Roitfeld da Vogue Britânica tem uma coluna 'Today I'm Wearing' e ela é incrivelmente antenada na moda e super elegante, REPETINDO ROUPAS. Vejam: http://www.vogue.co.uk/photo-blogs/coco-rocha/100702-coco-rocha-day-7.aspx

Parabéns pelo post. Toca no ponto da moda que ninguém quer ver (ou falar).
A moda é e tem que ser acessível a todos!!!!!

Analía Kovacs disse...

Desculpa, o link estava errado: http://www.vogue.co.uk/photo-blogs/julia-restoin-roitfeld/100528-julia-restoin-roitfeld-day-1.aspx

Luciana disse...

gênia. incrível post, espero que essas idéias renda mais um bocado por aqui! vai ser bom de ler.

andreza felix disse...

tai! é bem mais feminino saber escolher do que ornamentar loucamente
amor à moda pode ser esse companheiro como uma peça que vive e sobrevive à crise, ao entreguerras, aos modos sociais e a tudo mais
voce , inspiradora como sempre,
beijos grandes!