Dei essa entrevista a Cris Dantas, minha amiga e jornalista, para o World Fashion no ano passado. Acho que vale, o que vocês acham?
Cris – Em que medida os blogs influenciam a comunicação de moda? E também as vendas, naturalmente.Sissi – Sobre compras, vou responder com um exemplo: outro dia li numa crítica de desfile do style.com que, depois que um famoso blogueiro de moda fez um post sobre o cinto icônico da Moschino (aquele 80 com a fivela dourada "Moschino"), a peça entrou na fila de espera na loja da marca no Meatpacking District, NY. Isso fez com que a marca ficasse de orelhas em pé, atenta para essa movimentação. Não é à toa o recente fenônemo, bem comentado, dos blogueiros na primeira fila dos desfiles - Anna Wintour do lado de Bryan Boy. A força dos blogs (teoricamente) está em oferecer ideias desvinculadas da engrenagem do mercado e de oferecer um olhar fresco e (supostamente) mais legítimo, autêntico, sobre as criações dos designers. Esse olhar é o que os torna interessantes. Aí vem a peneira natural da vida: se tornam revelantes aqueles com os valores de isenção e de honestidade jornalística e/ou aqueles que obedecem apenas os próprios critérios, sem se deixar pautar por nada além da maneira única, individual, de enxergar o mundo da moda.
Nesse sentido, não vejo como os blogs "ameacem" a mídia tradicional. Muitos morrem no caminho porque não tem sustância e, no fundo, o que todos buscamos é informação confiável e relevante. O impacto dos blogs na comunicação de moda tem a ver mais com a linguagem, a forma de expressão menos burocrática, menos "de cima para baixo" ("faça isso, compre aquilo") e mais próxima da realidade/do desejo/da necessidade do leitor. Vivemos uma fase mais "direto ao coração" no mercado - vide as revistas usando letra manuscrita nas capas e as grandes redes de varejo buscando o que os pesquisadores chamam de "varejo emocional" - e os blogs, mais livres na forma de se expressar, longe dos dogmas formais da escrita jornalística, reinam aqui.
Cris – O blog é hoje considerado uma mídia forte independente? Pergunto isso porque, no caso dos editoriais de moda e beleza, tudo o que aparece nas páginas das revistas femininas é consumido quase imediatamente. Pode ser um rímel novo -- pareceu na revista, sumiu das prateleiras, o desejo provocado na leitora é imediato.Sissi – Acho que respondi com o exemplo acima. No meu caso, postei uma vez uma sandália da Renner que causou um frisson de compras nas pessoas. Mas eu fui muito clara: disse que ganhei a sandália e que a testei. Essa transparência é vital para você ser respeitada e levada a sério. Parece óbvio, mas outro dia o NYT publicou uma matéria justamente sobre isso - e dizendo que muitos blogs sérios cometeram o pecado de não deixar claro que ganharam isso ou aquilo para testar e comentar. É o outro lado da moeda da velha relação entre igreja e estado, ou jornalismo e publicidade, que sempre dá pano para a manga. De qualquer forma, por princípio, só publico aquilo que considero deixar o mundo melhor e mais bonito, aquilo que, expresso em forma de ideia ou de produto, nos faz avançar algumas casas no comportamento. Não vejo porque investir tempo falando mal de algo - tempo é tão raro, não? Se não está lá, a mensagem está implícita.
Cris – Quem são os blogueiros realmente formadores de opinião no Brasil e também os internacionais.Sissi – Formador de opinião, por aqui, não vejo. Muitos blogueiros são jornalistas e muitos são simplesmente garotas de moda e seus diários de preferências, quase que shopping lists - longe do compromissso com informação ou de fato relevância na mensagem. Os blogueiros começam a ser descobertos aqui, mas a tônica é "esse é mais um instrumento de divulgação para meu produto". Daí os convites para lançamentos de coleção, etc... A indústria da moda é muito sedutora na embalagem e tem pencas de gente querendo fazer parte dela. Às vezes para ganhar aquilo que querem ter e não podem comprar, por exemplo. Muitos blogs, no fim, acabam se aproximando das páginas de notas das revistas, que dizem, basicamente, o que você tem que consumir agora. Eu gosto muito mais dos "comos" e dos "por ques" do que dos "o ques".
Cris – Parece que estamos vivendo uma época de boom, não apenas dos blogs mas também, ou principalmente, dos blogueiros. Em que momento você situa o começo disso? Sissi – Tem gente que começou cedo, 2004, 2005. O Sartorialist, por exemplo, é de 2005. Mas a coisa pegou fogo em 2008 e explodiu no ano passado. O Cidade Jardim trouxe o Scott Schuman para fotografar uma campanha, o Fashion Rio o trouxe para os desfiles, junto com a blogueira francesa Garancé Doré, namorada dele. Agora todo mundo é blogueiro, todo mundo quer sentar na primeira fila da Chanel... Acho legal dizer que, sem a mídia tradicional, esse blogueiros não teriam a projeção que tem. Se os conhecemos como conhecemos a Vogue, é porque a Vogue os contratou como colaboradores. Se a Vogue os contratou é porque eles têm algo de fresco a oferecer, têm um trabalho autoral, que foge do padrão, do formato, que só acrescenta informação àquela que as revistas estão acostumadas a dar. Os blogueiros são relevantes à medida que preservam esse olhar fresco e autônomo, que aponta para algo que ninguém está vendo. Agora temos o Tommy, do Jak&Jil, fazendo os arredores dos desfiles internacionais. Particularmente, gosto infinitamente mais do olhar do Tommy Ton, verdadeiramente de moda, da transformação. Schuman é mais um captador, um congelador do bom gosto vigente. É quase conservador, é quase um defensor das boas e
haut maneiras, quase um manual do bem vestir. Tommy é mais aberto aquilo que desafia justamente o bem vestir - e, na minha crença, esse desafio da roupa é, em última instância, um desafio do status quo, da maneira como vivemos. A moda tem esse papel rebelde, desafiador, sim? É por isso que eu gosto de moda. Por isso eu venero, como um dos deuses máximos da moda, Yves Saint Laurent. O smoking foi isso - uma peça de roupa que protagonizou e se transformou num símbolo da revolução de comportamento. Foi o figurino certo no momento certo. É isso que eu busco ver nas milhões de imagens que chovem de moda: aquela que traz uma promessa de mudança de closet e de vida! É isso que eu espero dividir com quem procura o meu blog. Daí o nome: c'est Sissi bon, um jogo de palavras entre a música ("é tão bom") + o meu apelido de família, que traduz ao mesmo tempo o meu olhar (que é só meu e não do outro, não é uma cópia de ninguém) com a ideia que eu falo do extraordinário, aquilo que nos faz sair do lugar comum, no melhor dos sentidos.
Cris – O que vocie acha de blogueiros que se tornam estrelas, como a Tavi Gevinson e o Bryanboy? Qual a influência sobre a moda e a comercialização da moda?Sissi – A moda precisa de arroz de festa, gente que joga confete em tudo, que ajuda a manter a cena da imagem movimentada e acesa. É o lado do novo eterno - do "IT". Todo ser humano tem esse necessidade. O novo vira velho e, a não ser que esses blogueiros tenham algo a mais a dizer, eles vão passar com passa uma it-bag.