quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Sobre blogs

Dei essa entrevista a Cris Dantas, minha amiga e jornalista, para o World Fashion no ano passado. Acho que vale, o que vocês acham?

Cris – Em que medida os blogs influenciam a comunicação de moda? E também as vendas, naturalmente.

Sissi – Sobre compras, vou responder com um exemplo: outro dia li numa crítica de desfile do style.com que, depois que um famoso blogueiro de moda fez um post sobre o cinto icônico da Moschino (aquele 80 com a fivela dourada "Moschino"), a peça entrou na fila de espera na loja da marca no Meatpacking District, NY. Isso fez com que a marca ficasse de orelhas em pé, atenta para essa movimentação. Não é à toa o recente fenônemo, bem comentado, dos blogueiros na primeira fila dos desfiles - Anna Wintour do lado de Bryan Boy. A força dos blogs (teoricamente) está em oferecer ideias desvinculadas da engrenagem do mercado e de oferecer um olhar fresco e (supostamente) mais legítimo, autêntico, sobre as criações dos designers. Esse olhar é o que os torna interessantes. Aí vem a peneira natural da vida: se tornam revelantes aqueles com os valores de isenção e de honestidade jornalística e/ou aqueles que obedecem apenas os próprios critérios, sem se deixar pautar por nada além da maneira única, individual, de enxergar o mundo da moda.
Nesse sentido, não vejo como os blogs "ameacem" a mídia tradicional. Muitos morrem no caminho porque não tem sustância e, no fundo, o que todos buscamos é informação confiável e relevante. O impacto dos blogs na comunicação de moda tem a ver mais com a linguagem, a forma de expressão menos burocrática, menos "de cima para baixo" ("faça isso, compre aquilo") e mais próxima da realidade/do desejo/da necessidade do leitor. Vivemos uma fase mais "direto ao coração" no mercado - vide as revistas usando letra manuscrita nas capas e as grandes redes de varejo buscando o que os pesquisadores chamam de "varejo emocional" - e os blogs, mais livres na forma de se expressar, longe dos dogmas formais da escrita jornalística, reinam aqui.

Cris – O blog é hoje considerado uma mídia forte independente? Pergunto isso porque, no caso dos editoriais de moda e beleza, tudo o que aparece nas páginas das revistas femininas é consumido quase imediatamente. Pode ser um rímel novo -- pareceu na revista, sumiu das prateleiras, o desejo provocado na leitora é imediato.

Sissi – Acho que respondi com o exemplo acima. No meu caso, postei uma vez uma sandália da Renner que causou um frisson de compras nas pessoas. Mas eu fui muito clara: disse que ganhei a sandália e que a testei. Essa transparência é vital para você ser respeitada e levada a sério. Parece óbvio, mas outro dia o NYT publicou uma matéria justamente sobre isso - e dizendo que muitos blogs sérios cometeram o pecado de não deixar claro que ganharam isso ou aquilo para testar e comentar. É o outro lado da moeda da velha relação entre igreja e estado, ou jornalismo e publicidade, que sempre dá pano para a manga. De qualquer forma, por princípio, só publico aquilo que considero deixar o mundo melhor e mais bonito, aquilo que, expresso em forma de ideia ou de produto, nos faz avançar algumas casas no comportamento. Não vejo porque investir tempo falando mal de algo - tempo é tão raro, não? Se não está lá, a mensagem está implícita.


Cris – Quem são os blogueiros realmente formadores de opinião no Brasil e também os internacionais.

Sissi – Formador de opinião, por aqui, não vejo. Muitos blogueiros são jornalistas e muitos são simplesmente garotas de moda e seus diários de preferências, quase que shopping lists - longe do compromissso com informação ou de fato relevância na mensagem. Os blogueiros começam a ser descobertos aqui, mas a tônica é "esse é mais um instrumento de divulgação para meu produto". Daí os convites para lançamentos de coleção, etc... A indústria da moda é muito sedutora na embalagem e tem pencas de gente querendo fazer parte dela. Às vezes para ganhar aquilo que querem ter e não podem comprar, por exemplo. Muitos blogs, no fim, acabam se aproximando das páginas de notas das revistas, que dizem, basicamente, o que você tem que consumir agora. Eu gosto muito mais dos "comos" e dos "por ques" do que dos "o ques".

Cris – Parece que estamos vivendo uma época de boom, não apenas dos blogs mas também, ou principalmente, dos blogueiros. Em que momento você situa o começo disso?

Sissi – Tem gente que começou cedo, 2004, 2005. O Sartorialist, por exemplo, é de 2005. Mas a coisa pegou fogo em 2008 e explodiu no ano passado. O Cidade Jardim trouxe o Scott Schuman para fotografar uma campanha, o Fashion Rio o trouxe para os desfiles, junto com a blogueira francesa Garancé Doré, namorada dele. Agora todo mundo é blogueiro, todo mundo quer sentar na primeira fila da Chanel... Acho legal dizer que, sem a mídia tradicional, esse blogueiros não teriam a projeção que tem. Se os conhecemos como conhecemos a Vogue, é porque a Vogue os contratou como colaboradores. Se a Vogue os contratou é porque eles têm algo de fresco a oferecer, têm um trabalho autoral, que foge do padrão, do formato, que só acrescenta informação àquela que as revistas estão acostumadas a dar. Os blogueiros são relevantes à medida que preservam esse olhar fresco e autônomo, que aponta para algo que ninguém está vendo. Agora temos o Tommy, do Jak&Jil, fazendo os arredores dos desfiles internacionais. Particularmente, gosto infinitamente mais do olhar do Tommy Ton, verdadeiramente de moda, da transformação. Schuman é mais um captador, um congelador do bom gosto vigente. É quase conservador, é quase um defensor das boas e haut maneiras, quase um manual do bem vestir. Tommy é mais aberto aquilo que desafia justamente o bem vestir - e, na minha crença, esse desafio da roupa é, em última instância, um desafio do status quo, da maneira como vivemos. A moda tem esse papel rebelde, desafiador, sim? É por isso que eu gosto de moda. Por isso eu venero, como um dos deuses máximos da moda, Yves Saint Laurent. O smoking foi isso - uma peça de roupa que protagonizou e se transformou num símbolo da revolução de comportamento. Foi o figurino certo no momento certo. É isso que eu busco ver nas milhões de imagens que chovem de moda: aquela que traz uma promessa de mudança de closet e de vida! É isso que eu espero dividir com quem procura o meu blog. Daí o nome: c'est Sissi bon, um jogo de palavras entre a música ("é tão bom") + o meu apelido de família, que traduz ao mesmo tempo o meu olhar (que é só meu e não do outro, não é uma cópia de ninguém) com a ideia que eu falo do extraordinário, aquilo que nos faz sair do lugar comum, no melhor dos sentidos.

Cris – O que vocie acha de blogueiros que se tornam estrelas, como a Tavi Gevinson e o Bryanboy? Qual a influência sobre a moda e a comercialização da moda?

Sissi – A moda precisa de arroz de festa, gente que joga confete em tudo, que ajuda a manter a cena da imagem movimentada e acesa. É o lado do novo eterno - do "IT". Todo ser humano tem esse necessidade. O novo vira velho e, a não ser que esses blogueiros tenham algo a mais a dizer, eles vão passar com passa uma it-bag.

8 comentários:

Patricia Cardoso disse...

Nossa Simone, como vc foi clara e objetiva nas respostas, gostei mto. Leio poucos blogs de moda, pq sinceramente, a maioria não fala nada..
Continue a postar!
bj
Patricia C

Maína Pinillos Prates disse...

Interessante analisar quem está buscando novas abordagens de comunicação de moda, pois o que se vê em grande parte, até pela democracia da comunicação livre através da internet, é a repetição de conteúdo, o que não é enriquecedor.

Gostei muito dos seus comentários!

Mundo da Lili disse...

Só digo uma coisa: Entrevista Top! Depois disso tenho vontade de chorar, porque meu insignificante blog fala mais do mesmo! =(
Tipo entrevista tapa na cara, vai fazer um curso, se especializar para falar de moda! Juro que não tinha visto o "boom" dos blogs de moda por esse ângulo.
Enfim, agora é tentar se reinventar...
Muito bom...

Anônimo disse...

Acho que moda está longe de ser só roupa, diz muito mais sobre expressão e comportamento, e ler um post como esse só reforça a minha opinião. E mais: me faz acreditar que o pessoal que só joga confete, mas que não tem conteúdo (e olha que nem estou me referindo à Tavi) não vai durar.
Outra coisa que você falou e me deixou feliz e satisfeita foi a ideia da moda como desafio, sabe? Uma forma de contestação. Achei fantástico.

Abraços,
Fernanda Alves

Pollyana Teixeira disse...

Acredito que o formato atual dos blogs de moda brasileiros já está chegando à saturação. Alguns poucos blogs famosos (ou suas meninas?) resistirão por mais algumas estações, mas penso que o interesse despertado por pensar e falar de moda pela internet só deixará online quem investir de fato em conteúdo relevante, diversificado e inteligente. Espero, humildemente, estar nesta leva, rsrs

Bel disse...

Análise consistente e insistente. Em tempos de mesmices o singular envolve, prende e cativa.
Gostei de ler sobre o seu olhar.
Bel

Sra. Mamma Monstro disse...

Oi, Simone

Não escrevo pra vc há tempos, mas passei por aqui e não resisti... Não sei se é comigo, mas não consigo imaginar um mundo com mais informação do que temos hj e tão pouco conhecimento. Ou o meu tempo está curto (dois filhos...) ou o joio e o trigo já já se acomodam nesse universo dos blogs. Pra quem já passou por assessoria, dá até arrepio pensar no frisson das marcas por novos nomes para conquistar... Sigo no meu caminho de ler o que faz diferença pra mim. E aproveito pra dividir contigo um vídeo, saído do forno, que amamamos fazer aqui na Richards dá uma olhada: http://www.vimeo.com/23649243

Mari disse...

falou e disse!