segunda-feira, 4 de outubro de 2010

CULTURA DE MODA Cecil Beaton no meio do caminho

Há três semanas, estive em Salvador para abrir o Pense Moda, a convite de Camila Yahn e de Paulo Borges.

Em pauta, o processo de criação da Mag!. Paulo Martinez, editor de moda, e Graziela Peres, diretora de criação da revista, mostraram da partida ao resultado de 90 páginas (diminuídas agora para 60) de editorial de moda, mais das matérias e da capa.

Processos, sempre achei, podem ser tão atraentes quanto o resultado final. Não raro, mais. Saber que caminho alguém faz para chegar até "lá" é a melhor viagem. Rascunhos, rabiscos e ensaios podem não valer tanto quanto a obra final, mas expõem uma imperfeição e uma busca de que, ufff!, é sangue na veia. O resultado perfeito camufla o esforço e os desvios de raciocínio e causam a falsa impressão de que a ideia veio pronta, sem esforço, de berço. A imperfeição é fascinante.

Paulo Martinez contou que parte do seu repertório, muito além de quem carrega história de moda, vem de filmes, música, fotógrafos passé. Pra realizar um editorial, produz páginas e páginas de recortes que possam ajudar na construção de uma foto. Na edição sobre Berlim, por exemplo, da série metrópoles mundanas, Martinez juntou referências de Bauhaus e fotos de Hitler, de onde vem as poses da modelo. Como se diz em inglês, you get the picture.

Alguém na audiência perguntou, anonimamente, se Martinez pensava em transformar em livro essa coleção de colagens. Martinez - como é de praxe às pessoas que são de verdade e não que projetam uma imagem do vazio - respondeu com modéstia e sem afetação que este é um material pessoal, como quem não vê um valor maior ou público do que aquele de ajudar um editor a construir uma história.

A história pode ajudar a pensar diferente.

A Assouline, por exemplo, acaba de publicar Beaton - The Art of Scrapbooking. O livro resume, em reprodução, páginas de 40 dos 100 cadernos que o fotógrafo, ilustrador e homem-chave dos glamour years produziu entre 1930 e 1960.



O material, posse da Sotheby's londrina, é nada mais do que uma colagem (intelectual e estética) de fotos informais de Beaton, um dos âncoras da Vogue e da fotografia de moda, desenhos, copiões, recortes, bilhetes, cartas. Enfim, reflete o samba do inglês doido e chiquérrimo que foi de Beaton (imperdíveis as fotos de Greta Garbo, com quem ele tentou manter um romance menos hollywoodiano).

No prefácio brilhante de James Danziger, fica clara a relação entre imagem, memória e sentimento. "Beaton cultivava seu olhar de curador curioso", escreve Danziger.

No começo, sua obsessão por poses antinaturais e altamente estudadas, que resultaram em fotos cênicas, foram motivo de piada. Mas foram lei até a naturalidade/espontaneidade de Richard Avedon e de David Bailey suplantarem seu olhar. Na verdade, o mundo forjado pré-60s virara demodé. E o olhar de Beaton, um fotógrafo que viveu pelos seus olhos, como ele dizia, não fazia muito sentido no admirável mundo novo e beatnik dos anos 60/70. Mais tarde, ele regularia novamente sua lente para o presente e daria uma nova visão para a fotografia, agora publicada pela Bazaar.

Algumas de suas descobertas, no entanto, parecem oportunas de novo - agora que vivemos um replay de 100 anos.

Se você viu Inés de la Fressange resgatada por Karl Lagerfeld na passarela da Chanel, vai encontrar sabedoria numa das frases de Beaton (aliás, autor de livros ótimos. EU li The Glamour Years): "Basta de colocar a moda nas mãos de modelos que sobrevivem até o momento em que seus rostos começam a demonstrar alguma personalidade".


Mais e mais o Pense Moda vira mais necessário do que corretivo no dia seguinte do baile:

aqui

Um comentário:

camila yahn disse...

Querida, como sempre seus posts são super inteligentes e abrangentes! Que bom poder contar com vc ;)