domingo, 12 de dezembro de 2010

René Gruau e a ilustração de moda

Pode ser a recente onda 50s na moda. Mas René Gruau, conde-ilustrador a quem se pode creditar a imagem clássica do new look, faz sentido hoje como fez ontem, quando seu traço elegante, sinuoso e mínimo (com saturação irresistível de cores) deu graça às principais revistas de moda do mundo, à publicidade (dos perfumes Dior a biscoitos) e às capas da International Textiles, uma revista do métier, por quatro décadas.

Gruau não só reapareceu nos lenços Dior e na reedição recente das publicidades dos perfumes da marca, mas Londres agora está repleta da sua dose de chiquetê. Três exposições exibem os trabalhos dele – duas delas, 100% dedicadas a ele. Uma, das ilustrações para a Dior, no Somerset House. Oiutra na Fashion Illustration Gallery.

International Textiles, n.341/2, 1961

International Textiles, n.318, 1961


O que o súbito interesse diz sobre o nosso tempo? Queremos, de novo, ser uma versão melhor de nós mesmas? Eu não me incomodaria de ter os braços e pernas de quilômetros, por exemplo, como as mulheres idealizadas de Gruau – considerado o maior do século 20 e com um herdeiro estético à altura: David Downton. É disso que estamos atrás: uma saída pela direita do cotidiano e do rame-rame? Mais poesia, mais imagem sintética do nosso tempo, e menos "compre esse sapato dessa foto desse editorial"?

Organizada no Design Museum, uma retrospectiva da ilustração de moda no século 20 aponta o uso do traço sempre que a necessidade da fantasia falou mais alto (em oposição ao tempo em que a ilustração tinha de mimetizar todos os detalhes da roupa, fazendo as vezes da foto). Nos anos 1910, Georges Lepape fazia os desenhos de Paul Poiret – e hoje um pochoir da Gazette de Bon Ton é coisa para colecionador. Passear pelos desenhos de Lepape, Christian Bérard, René Gruau, Antonio até chegar a Mats Gustafson &co. não é apenas ver como a roupa mudou e sim a percepção do feminino e da cultura de cada época.

Drawing Fashion from Design Museum on Vimeo.



Gustafson é de hoje, assim como François Berthoud e Aurore de la Morinerie. As revistas pouco usam os ilustradores agora para fazer editoriais. Talvez quem se aproprie melhor da linguagem seja a Vogue Japão, que não tem o menor pudor em estampar um editorial aquarelado de Gustafson mais preocupada que está em registrar a imagem de um tempo do que o suéter Prada que bem pode aparecer em still aqui e ali.

Os anunciantes são mais generosos. Nordstrom, rede americana de lojas, comemora 10 anos de parceria com Ruben Toledo com um livro de ilustrações. Toledo é casado com a estilista Isabel Toledo e estampa seu traço nos livros da editora de moda Nina Garcia.

"A ilustração é algo ao mesmo tempo sofisticado e simples, atraente e acessível a qualquer público", me disse William Ling no nosso encontro na Fashion Illustration Gallery. Ling é casado com a ilustradora Tanya Ling, uma moça cujo traço revela que ela vê beleza além do padrão e tem uma relação de amor e ódio com a moda - como qualquer ser humano de bom senso. William deixou de ser professor para criar, em 2007, essa que há de ser a única galeria especializada no gênero.

Num golpe de sorte, ele recebeu um telefonema de herdeiros da família que publicou a International Textiles oferecendo os desenhos para as capas assinados por René Gruau. William selecionou um dezena e os originais estão à venda por valores que oscilam entre 7 mil e 12 mil libras.

"O mercado de ilustração está em alta", diz. As obras são mais baratas do que um trabalho "clássico" de arte. E o tempo deu conta do resto: colocou o traço no seu devido lugar.

Sobre essas e outras coisinhas William e eu gastamos quase duas horas de conversa. Aqui, um resumo do resumo.

Qual o valor dessas obras de René Gruau?
Primeiro, são originais. Você pode ver o sentido em que o pincel deslizou no papel e, com sorte, até o esboço a lápis do desenho. Segundo, é a primeira vez que se colocam à venda as capas feitas para a International Textiles. Gruau era um gênio da arte gráfica, da composição com cores e cortes, e não apenas um brilhante criador de imagens de moda.

É fácil encontrar trabalhos dele?
Ele está recebendo um merecido reconhecimento e há um trabalho de garimpo a ser feito. Não sabemos exatamente o que está por aí. Mas fato é que agora é uma boa hora para investir nele. Daqui para frente, a oferta vai ficar mais rarefeita.

Por que o trabalho dele é bom?
As mulheres são chics e, mesmo depois de cinco décadas, continuamos achando que elas são lindas. É a visão de um artista que se mostra poderosa além da passagem do tempo.

Você fala da marca do pincel e do lápis sobre o papel. A ilustração a mão tem mais peso do que a hi-tech, feita no computador?
Sim e não. Represento, por exemplo, Jason Brooks, um ilustrador que conseguiu chegar a um patamar de excelência fazendo ilustração digital. O trabalho parece uma pintura. Mas, no geral, tenho uma queda pelos trabalhos ilustrados a mão.

Que sentido faz hoje usar ilustração em revistas de moda?
É uma forma diferente de falar sobre o novo. E é algo que emociona, que toca as pessoas. Mas as revistas comissionam pouco se comparado à publicidade - dizem que porque não vende tanto quanto uma foto. Mas Cate Blanchett ilustrada por David Downton na capa da Vogue Austrália vendeu muto bem.

Vogue Austrália, por David Downton: original à venda na Fashion Illustration Gallery

Karl Lagerfeld e Alber Elbaz têm ilustrações ma-ra-vi-lho-sas. Você já considerou montar uma exposição com o trabalho deles?
Adoraria! Você me dá o telefone deles?

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei essa capa ilustrada da Vogue. Pena que aqui no Brasil quase não se vê, não é? Antigamente havia coisas lindas, como as garotas do Alceu.
Abraço,
Vera (de Brasília)