(imagens do desfile de despedida de YSL, em 2002, e resumo de 40 anos de moda)
Noiva, década de 60: a imagem foi tão poderosa que as noivas aqui adotaram! Minha madrinha se casou assim.
Onça
Safári
Le smoking!
África
Blazer
China
Matisse
Mondrian, de 1965
Ontem - acho que para a maioria dos dedicados seguidores de moda - o dia terminou pela manhã com a notícia da morte de YSL. Meio descrente, corri para o site da Fondation Pierre Bergé-Yves Saint Laurent. Fora do ar. Hoje, a mensagem é simples (como os amigos próximos dizem que YSL era) e dá um aperto na garganta: em letras pink, LOVE, e em letras brancas o ano de nascimento, 1936, e o ano de morte (câncer no cérebro), 2008, e a assinatura. Tudo sobre um fundo preto. O fundo se funde com uma foto de YSL de terno risca-de-giz (ele fez para as mulheres também!) com uma imensa gravata borboleta de poás abrindo uma porta. Como muitas que ele abriu no guarda-roupa feminino. "Tenho claro para mim que as novas gerações de estilistas que pulam das milhares de faculdades de moda por aí não sabem da força de transformação de YSL, mesmo com todo esse legado", me disse agora pouco Ronaldo Fraga. YSL será cremado na quinta e as cinzas serão jogadas em Marrakech, um dos seus lares-doces-lares.
Ser lembrado era um desejo real de YSL, que se despediu das passarelas com um último desfile de alta costura no Centro Pompidou, Paris, em 22 janeiro de 2002. "J´aimerais que dans cent ans on étudie mes robes, mes dessins", declarou, uma década antes do adieu. E o site da Fondation tem esse compromisso - a própria se encarrega de fazê-lo ser lembrado a cada exposição e mecenato bancados pela instituição. O que é preciso saber sobre YSL está reunido ali. Dá para ficar mais perto de quatro décadas de moda. As informações, coleções, paixões estão organizadas, explicadas, fotografadas, catalogadas com a mesma crença na perfeição de quem, como Yves Saint Laurent, propôs, sem nunca se abalar, o coque perfeito com o vestido perfeito com o acessório perfeito com o batom vermelho perfeito. "Ele era chic, elegante de um jeito como hoje o mundo não quer mais ser", definiu ontem para mim numa conversa Clô Orozco. A estilista da Huis Clos fez o verão 2005 com as cores do Marrocos (tinha azul Kein, cor da casa em Marrakech, cáqui e estampas dos azulejos fotografados por Clô), e sob impacto de ter assistido a coleção de estréia de Alber Elbaz para a maison com os ícones (poás, saia godê, onça) do mestre passados num filtro de modernidade (Elbaz fez três coleções YSL: inv 99, verão 00, inv 00, pré-Tom Ford). "A coleção foi muito mal recebida pela imprensa", lembra Clô, que a-do-ra ver hoje o sucesso de Elbaz na Lanvin.
YSL não é a pessoa que mais inspirou Clô, muito mais ligada a Balenciaga, o original, e Dior, idem - o que não causa surpresa numa estilista que trabalha com construção e sonho. Diferente de YSL, que dedicou uma vida a transformações 'vestíveis'. Mas toda hora em que fecha os olhos e pensa no costureiro-estilista, ela conta, pensa no smoking, no près-des-corps, no safári - "coisas que YSL repetia sempre porque eram um acerto, ele sabia fazer". "Respeito e admiro o trabalho dele, sempre preocupado com cor, forma, estampa e com uma elegância, uma roupa perto do corpo sem a preocupação de ser sexy, que é uma obsessão hoje", resume ela, que admite não gostar da rigidez nos ombros proposta por ele, coisa da qual ela sempre procurou fugir.
Para quem já usou de um tudo nesse começo de século 21 talvez seja difícil entender o impacto de YSL na vidinha das mulheres. "Na distância desses anos todos, parece que YSL era careta", diz Ronaldo. "Mas quando você olha o entorno - o que os pares estavam fazendo, o que o jet set vestia, o que as mulheres normais vestiam - aí entende o quanto ele foi transgressor." Uma historinha banal da musa e protetora, a socialite americana Nan Kempner (há um link para ela na Fondation), dá a exata dimensão dessa transgressão. Algo não tem a ver com o furor causado por YSL ao posar nu, em 1971, para a campanha de lançamento do perfume masculino YSL, nem ao sacar o slogan "Opium, for those who are addicted to Yves Saint Laurent" para o feminino Opium, de 1977. Nan foi uma das primeiras a usar os ternos de YSL- em oposição aos recomendados tailleurs. Ao aparecer em um restaurante da Madison Avenue trajada de calças, foi proibida de entrar - uma mulher de calças era algo in-con-ce-bí-vel. Deu de ombros (rígidos): tirou as calças e entrou apenas de paletó. "Ela mostra melhor do que qualquer outra mulher que a verdadeira elegância é a alquimia entre um vestido e quem o 'porta'", disse Pierre Bergé.
Há outra musa - Catherine Deneuve - que, para mim, resume o tipo de revolução discreta, sem estardalhaço, de que YSL foi capaz. Em Belle de Jour, filme de Luis Buñuel (1967), ela veste YSL e os sapatinhos pretos de bico quadrado e fivela de metal prata que venderam 'apenas' 200 mil pares na época (e foram reeditados por Bruno Frisoni, o gênio por trás da renaissance de Roger Vivier, o sapateiro de Dior e desse clássico sessentinha). Severine, personagem de Deneuve, é madame pela manhã e à noite - mas à tarde, é uma verdadeira demoiselle (como as da rua Avignon, de Barcelona). Ela faz a sua revoluçãozinha particular e o mundo, quando percebe, não tem mais o que fazer.
Um zilhão de histórias podem ser resgatadas do mocinho argelino que assumiu, aos 21 anos, o trono de Christian Dior e lançou a linha Trapézio - A, sim?; do homem que amava arte com o mesmo A maiúsculo; que amava a rua e a cultura jovem muito antes disso virar obrigação na moda. E que olhava para outras culturas sem ter saído do lugar - os ciganos e os russos são apenas parte dessas incursões, digamos, étnicas. "Ele fez o folk", lembra Ronaldo, que vê estampados nos vestidos longos da coleção Zuzu Angel, verão 2001/2002, o desejo dessa época.
O que fica é o conjunto da obra, acima do bem e do mal. Fica também o que Ronaldo define como uma "tristeza sem fim". Depois que soube da morte dele, fiquei repensando o ofício da moda, que nos dá brilho, nos dá a miragem da eterna juventude, a possibilidade de se renovar a cada estação", diz. Em Londres entre 1994 e 1995, Ronaldo ficou impressionado com uma cena em um documentário ("sobre YSL ou sobre maisons de alta costura, não me lembro"): YSL arrumava uma modelo na prova de roupa e a dispensava rapidamente num 'tudo bem, vai assim mesmo'. "Achei melancólico, ele deprimido, e comecei a pensar no que seria o meu último desfile, na última peça, na manhã do dia seguinte."
(Ronaldo tem 12 anos de marca. Faz o próximo desfile no SPFW, dia 21, sábado. Clô tem três décadas de estrada e entregou a direção de criação da Huis Clos à Sara Kawasaki - embora esteja todos os dias na fábrica, na Barra Funda, acompanhando provas. "Meu olhar está cansado para muitas tendências e para a Sara tudo é mais novo. Ela traz leveza ao mesmo tempo que entende o refinamento da marca", define Clô, que desfila no dia 19 e no dia 22 vê a estréia da Maria Garcia, irmã mocinha da Clos, estrear na semana de moda de São Paulo.)
A força de YSL estava na evolução, mais do que na revolução. No Zeitgeist, em saber respirar l´air des temps. Em desrespeitar respeitando. É seu legado na mais perfeita das embalagens - vistas pela última vez em conjunto, inclusive uma sequência imensa de smokings, às 20h36 de uma terça-feira, quando as portas de espelho deslizaram no fim da passarela e fecharam 40 anos de moda.
ps. Passagem para Montreal? Vá ao Museu de Belas Artes, Pavillon Michal et Renata Horstein (1379, rue Sherbrooke Ouest) para ver a exposição Yves Saint Laurent Style até o dia 29 de setembro.
ps 2. Docs? Yves Saint Laurent - His Life and Times e 5 Avenue Marceau 75116 Paris - ambos do diretor David Tebould à venda na amazon.com por 20 dólares.
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3 comentários:
pois é, um legado... na minha humilde opinião de semi-leiga, acho que o grande tchan do YSL foi ter popularizado a moda de qualidade e, ao mesmo tempo, ter sido mais um que provou que moda é arte, é genial, é cotidiano, é importante.
e agora que eu vi que meu blog tá aqui, que legal, obrigada!
bjs
Simone, no seu balançinho final me dê sua 'estimada' opinião sobre o que devemos tirar de circulação neste verão. Esta história de que esta usando tudo continua valendo ou há controvérsias???
Amei o vestido Matisse!
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