quinta-feira, 9 de abril de 2009

Em busca do encantamento perdido

(para meus amigos fotógrafos e o eterno dilema entre fotografar roupa ou fotografar moda. onde vamos parar?)

Versuchka é tema de um livro-luxo publicado pela Assouline esse ano. Espere gastar mais de 1 000 reais por um exemplar, com caixa. Faz parte da seleta que a editora francesa chama, não à toa, de The Ultimate Collection.

Versuchka também está, em forma de fotos, em The Model as a Muse, expo de verão do Costume Institute do Metropolitan Museum de NY, que 'usa' as modelos como símbolos da estética de uma época (nesse caso, de 1947 a 1997). Abre em 6maio, apoio Marc Jacobs (esse, o muse do começo do século 21).



Versuchka não é um RG, é uma obra de arte criada pela Condessa Vera von Lehndorff. Nascida na Alemanha – ela completou 60 anos em janeiro –, Vera é filha do Conde Henrich, morto pela Gestapo depois que o bom complô tramado por altos militares e civis para matar Hitler em 1944 deu errado, como prova a história. Henrich foi executado, a família enviada para um campo de concentração.

Vera não brincou na infância, ela conta num perfil escrito pelo jornalista de moda Tim Blanks para a AnOther. Encontrou na moda um jeito de fantasiar. E de ser muitas outras personagens, como ela, menina, desejou ser para não estar na própria pele (ela odeia psicologia, barata essa, mas admite a tese de Blanks).

Em 1961, apresentou-se a fotógrafos de moda & afins como Vera. Tédio. Não conseguiu bookar nada. No ano seguinte, fez-se protagonista de um conto de fadas sombrio. Era exótico ser russa (antes de virar 'crime' pela Guerra Fria) e Vera URSSeia seu nome para Versuchka, uma expatriada da fronteira entre Alemanha, Rússia e Polônia. O mundo da moda adorou. Diana Vreeland, escolada em fantasias, principalmente.

Com olhos gigantes, corpo de contorcionista (até hoje, ela revela), naturalmente aristocrática, Versuchka parou diante da lente de Irving Penn. Não podia abrir a boca para palpitar. E ela tinha muitas ideias para sugerir – hoje, os personagens que cria para as imagens em colaboração com o fotógrafo Andreas Hubertus Ilse, expostas em galerias e museus, provam isso. Um dia pediu para ver as fotos de Penn. Pensou que havia elegância, classe, mas as fotos apenas mostravam as roupas. Assim, nunca serviriam à arte.

Numa conversa com Richard Avedon – o fotógrafo com quem mais se entendeu, sem ter qualquer envolvimento, além do ex-Franco Rubartelli –, Versuchka soube que ele pretendia fazer um livro com todas as suas musas. Ao rever as fotos, ficou admirado com o tanto de coisas lindas que havia sido escanteado, imagens reprovadas simplesmente porque "o vestido não ficou bom". Avedon morreu logo depois do encontro.

Os anos Vreeland – portanto, os anos Versuchka – foram felizes. Muito além da Vogue. Vreeland personificava o tempo em que comércio era a consequência de uma alta revista de moda. Não que fossem universos paralelos, mas dinheiro jamais restringiu, limitou a criatividade de Vreeland. Em uma das fotos do livro da Assouline, feita por Rubartelli, Veruschka aparece de duas-peças amarelo pintada de verde no Rio (abril69). Tinta de verdade, ela lembra, porque 'não se tratava apenas de vender roupas'.

Então, Veruschka cansou de vender roupas. "Fiz muito esse papel, todos esses personagens diferentes tentando ser apenas bonitos e femininos. Depois de um tempo, cansa. Vira tudo falsidade." Versuchka hoje vira zebra, aves, pedras nas imagens de Ilse.

A roupa é consequência do personagem. A serviço da arte.

ps. talvez a imagem mais marcante de Veruschka seja a foto em que ela veste a saharienne de YSL, com rifle apoiado nas costas, feita por Franco Rubartelli para o editorial "The Jungle Look", da Vogue França, 1968.

ps 1. (re)veja Blow Up, de Antonioni, 1966. Veruschka protagoniza aquela que pode ser a cena mais quente do cinema no estúdio do fotógrafo inspirado em David Bailey. A relação modelo-fotógrafo, no entanto, foi inspirada em Versuchka-Avedon.

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