terça-feira, 28 de outubro de 2008

A TEORIA moda é cultura?

Ontem à noite eu fui bem acompanhada ao 4. Prêmio Bravo! Prime de Cultura, na Sala São Paulo.

Antes que alguém me acuse de falar bem por interesses privados, já deixo claro que duas pessoas-chave desse prêmio são amigos de família. E duas pessoas para quem eu tiraria um zilhão de Borsalinos.

Enquanto me arrumava, cogitei levar minha máquina fotográfica para registrar cenas de 'moda na real' para este blog (desisti no último minuto porque, bom, eu fui mesmo a passeio).

Mais do que saber o que (marcas) vestiam convidados, gostaria de saber que critério, que motivo levou fulano & beltrana a escolher aquele look. Uma investigação sobre o gosto, como diz Arrigo Barnabé no Supertônica, programa da Rádio Cultura.

Você se veste para que - e para quem? Como escolheu juntar essa peça àquela? E essa cor a outra? Essa proporção assim e não assado?

São escolhas estéticas - parte inconsciente, parte inconsistente (sem razão explítica de ser), parte conveniente, parte cultural. Por cultural, entenda-se aqui o que é aceito ou conveniente para uma situação, um compromisso, um ambiente.

De que maneira essa escolha se diferencia, por exemplo, das cores que Beatriz Milhazes, uma das finalistas ao troféu Exclamação (o ponto do título dá forma ao Oscar da cultura nacional) de 2008, escolhe para uma tela?

O convite não trazia indicação de traje. O que você usaria, por exemplo?

(...)

Eu vi várias mulheres de pretinhos básicos (mesmo! sem nada na modelagem ou no tecido. e com bijoux como enfeite) na altura do joelho, muitos combinados com escarpins pretos de bico fino.

Vi algumas de calça com tops bordados e xale. E terno preto. Todos acompanhados de carteiras.

Alguns longos floridos - um com geo à moda Pucci e sandália de salto forrada com o mesmo tecido.

Do ponto de vista do dress code - mesmo não declarado - é tudo bem correto (estou falando de regras, não de gosto). quanto mais bem cortado, aliás, mais bonito de se ver.

Com raríssimas exceções, ...

1. pretinho nada básico, na altura dos joelhos, de jérsei drapeado à moda grega e usado com peep toe baixinho;
2. um caftã pink de tafetá de algodão;
3. um longo florido nouveau na barra;
4. uma minitúnica de cetim de seda de cores apagadas;
5. o macacão drapeado de um ombro só de Nina Becker, que cantou neobossa entre a entrega de estatuetas "!";
6. a lantejoula Ronaldo Fraga de Fernanda Takai,
7. os sapatos desencontrados de Mallu Magalhães,

... não havia moda nos salões da Sala São Paulo.


Nina Becker na Sala São Paulo

Assim como não havia moda no palco da Sala São Paulo.

Nenhuma exposição indicada, nenhum estilista concorrendo à artista do ano, nenhum livro...

E, olhando ao meu redor, como seria diferente?

Moda é moda. Não é arte - para gente como Martin Margiela, 20 anos de maison nesse ano, é artesanato. Sem crise, sem metafísica, sem juízo de valor.

Arte deforma, reforma, forma. Moda conforma.

Conforma no sentido de dar ou tomar forma, colocar na fôrma.

Siginifica que moda fala do nosso tempo, desenha a cara do hoje.

Ninguém vai falar de um estilista como quem fala de Picasso, em exposição agora no Grand Palais: "à frente do seu tempo".

Chanel funcionou porque sacou a necessidade do seu tempo. Idem YSL. Não que eles não tenham enfrentado o desconforto de quem propõe algo novo. Já contei aqui que a socialite Nam Kempner foi barrada em um restaurante fino porque estava de terno YSL. Mulheres só eram aceitas vestidas de saia - meos deoses, nos anos 1970, ontem mesmo! YSL estava à frente do seu tempo? Não - o mundo é que estava apegado ao passado.

Stefano Pilati, da YSL, diz que aprendeu logo cedo na profissão que "estar à frente do seu tempo é como ficar para atrás". "O mais importante é estar no próprio tempo, on time", diz.

Talvez daí venha a idéia de que moda é algo menor, efêmero - quando eu penso já me dá uma preguiça, blá.

Talvez por isso tenha gente que ainda insista em ir a um prêmio com calça jeans, camiseta, Converse.

(Vivienne Westwood me disse numa entrevista que não tem peça mais convencional do que o jeans, tem alguém ouvindo?).

É coisa de artista desprezar convenções sociais? Duvi d-o do!

Sempre penso na mudança de figurino de Caetano, outro indicado da noite: da Tropicália ao Romeo Gigli. Talvez nenhum artista, como diz minha mãe, tenha entendido tanto do poder do figurino como ele.

Extrapolar não é muito mais bacana? Quebrar expectativas? Por que tudo tem que ser igual, o mesmo - como se pergunta Zaha Hadid na hora de desenhar seja um prédio ou uma bolsa Vuitton?

Para desafiar, tem que conhecer as regras do jogo.

Por que não um vestido preto de jérsei de lingerie no lugar de um saia e blusa de tricô Fair Isle, deve ter se perguntado Chanel? Por que não calças para mulheres no lugar de tailleurs, idem YSL? Por que não um macacão preto de um ombro só no lugar de um pretinho básico, Nina Becker?

Por que não?

Conhecer é saber. Saber é cultura. Tem que ter cultura de moda. Outro dia José Nunes, um dos costureiros brasileiros ainda em atividade, me disse - sem nostalgia, sem preconceito - "como é que a gente vai querer que uma pessoa se vista direito se ela nem sabe segurar um copo?".

É tudo civilização.

Não é uma idéia fácil de engolir. Xiitas mundo afora estrilam toda vez que um museu cede espaço para uma expo de moda.

Mas por que não?

Na Faap até 14 de dezembro, vestidos históricos feitos em papel no tamanho natural pela artista belga Isabelle de Borchgrave são uma aula de história. Isabelle corta o papel como se fosse tecido, pinta para estampá-los e "costura" modelos espalhados em acervos de museus. Algumas peças exigem mais do que conhecimento técnico, mas de época. É o caso de peças tiradas de quadros - só com a frente à vista. É preciso conhecimento para reconstruir o verso, coisa que cabe à figurinista canadense Rita Brown.

É moda, arte, artesanato? Essa resposta é mais relevante do que o trabalho em si? Não acho.

Quando moda deixar de ser confete acho que dá para imaginar um prêmio Bravo! com mais moda nos salões e no palco da Sala São Paulo. A paisagem, se não ficar mais bonita, vai ser no mínimo menos conformista.

ps. me esqueci de dizer que amanhã tem prêmio de moda no Theatro Municipal. Dress code? Passeio completo - aquele vasta definição entre algo que você não usaria para um jantar caprichado nem para uma festa-baile. Vai ser um espetáculo...

5 comentários:

Claudia Pimenta disse...

oi sissi! excelente reflexão - parabéns pelo post! bjs!

Anônimo disse...

si, que bom ler isso!
beijo
amarmo

Anônimo disse...

sissi!
Belo texto, cheio de toques, reflexões, idéias e conteúdo. bom de ler. e muito cheio de sutileza tambem, afinal falar sobre codigos de vestir pode ser uma saia justa pra alguns.

seu blog e do vitor angelo batem recorde de coisa fina+ pensamento!
clap, clap, clap!!!

Anônimo disse...

digo mais: quando a moda deixar de ser confete e de acreditar em prêmios nos quais quem concorre está no conselho e/ou no júri.

gente. como é que todo mundo está fechando os olhos para isso? sério, me deixa um pouco indignado...

Anônimo disse...

adorei!